domingo, 1 de dezembro de 2013

Você disse “totalitarismo”?


 Esta é atualmente a palavra chave mais em voga entre os defensores da Psicanálise. Quanto mais eles se sentem acuados, mais eles a levantarão em meio a elementos de linguagem perfeitamente calibrados para acolhê-la. Se proclamam como uma derradeira forma de humanismo, de liberdade de escolha de "métodos" ou ainda de respeito à particularidade do "sujeito", vindo a se considerar como a última fortaleza face ao totalitarismo, assim incitando logicamente a considerar toda crítica, toda oposição ou toda rejeição à Psicanálise como sendo parte deste mesmo totalitarismo.

Os psicanalistas têm se beneficiado (para não dizer apreciado) por muito tempo uma certa imunidade por parte das classes política e científica, o que combinado com a ausência de uma autoridade reguladora, disciplinar, central e especializada (tal como um “Conselho de Psicanálise”) deu carta branca para certos abusos, especialmente no campo do autismo. O fenômeno mais observável e característico dessa “nebulosa” psicanalítica tem sido a tendência de desacreditar os vários grupos de oposição.

 Os primeiros a desafiar a disciplina não foram nem os cientistas nem os filósofos, mas os pacientes. Afinal é fácil desacreditar pessoas que estão doentes, em sofrimento, sugestionáveis, sem compreender o que lhes acontece, e que “não sabem o que dizem”. Em seguida vêm os acompanhantes, incluindo aí a família, que foi apresentada com também doente, influenciável mas também “tóxica”, a começar pelas mães. Os cientistas, por sua vez, foram divididos em duas categorias: os "cientistas" que rejeitam mais ou menos ativamente a Psicanálise, orientados por fantasias totalitárias, e outros que “não sabem muito bem o que estão fazendo”, mas alguns (tão raros quanto preciosos) teriam o mérito de tentar misturar progresso científico alinhado às boas e velhas teorias freudianas. Mais recentemente alguns atores políticos estão sendo posicionados de acordo a crítica que fazem à Psicanálise: quando a crítica vem da direita, ela virá na verdade da extrema-direita (totalitária), enquanto que quando vem de adversários de esquerda estes são considerados ingênuos ou covardes por adotarem posições retrógradas de direita (na verdade, extrema-direita). 

Aqui estão as recentes declarações de um membro do governo: 

 "Na França, há 40 anos, a abordagem psicanalítica está por toda parte e concentra todos os recursos. Isso significa que é hora de dar lugar a outros métodos por uma simples razão. Estes são os que funcionam e que são os recomendados pela Autoridade Superior de Saúde (HAS) […] o governo só apoiará financeiramente os estabelecimentos que trabalhem nesse sentido ou os que trabalhem de acordo com o que solicitamos. " 


 Como o profissional certamente ingênuo e pervertido que sou, interpretei esse comentário da seguinte forma: a abordagem psicanalítica funciona de forma totalitária depois de 40 anos de hegemonia. O governo lembra que as recomendações oficiais (HAS) devem ser respeitadas, o que implica não em erradicar a Psicanálise, mas apenas dar lugar a outros métodos. O governo vai apoiar financeiramente as instituições que seguem essas diretrizes. 

 Mas muitos profissionais visados interpretaram da seguinte forma: o governo quer erradicar nossos métodos “multidisciplinares” em favor de um método único. O governo conta com especialistas que não o são realmente, já que questionam “a nossa abordagem”, provavelmente influenciados por associações de pais, pacientes, pela indústria farmacêutica e por cientistas. Trata-se de ingerência e de totalitarismo, obviamente pois os pacientes não poderão mais escolher o que eles querem (ou aquilo que nós queremos). 



 Para aqueles que ainda se atrevem a imaginar que a verdade está "entre os dois" e que estamos, eventualmente, a substituir um totalitarismo por outro, o ingênuo e pervertido aqui sugere você a ouvir (e observar) o que tem a dizer uma grande especialista em autismo, uma psicanalista de ponta. A associação da qual ela faz parte entrou com um recurso contra as recomendações da HAS acerca do autismo que classificam a Psicanálise como uma abordagem “sem consenso” (científico). 

Assim, quanto mais o movimento psicanalítico for confrontado com suas contradições, seus limites, seus excessos, mais irá se deparar com temáticas de cunho messiânico (são o último bastião do humanismo!) e persecutório (todos os oponentes são perseguidores). A causa tem proporções delirantes, apesar de ser nobre, mas temo que, identificando o totalitarismo em todos os seus oponentes, o movimento psicanalítico terminou por se esquecer de se preocupar com o seu próprio. Agora, ao que parece, alguns psicanalistas estão se preocupando com isso... 




Traduzido do francês de forma amadora e com ajuda de amigos: